Resenha | OUTROS JEITOS DE USAR A BOCA, por Rupi Kaur

Capa do livro resenhado

Ficha Técnica

Gênero: Poesia
Publicação: 2017
Editora: Planeta de Livros
208 páginas

Sinopse

Outros jeitos de usar a boca é um livro de poemas sobre a sobrevivência. Sobre a experiência de violência, o abuso, o amor, a perda e a feminilidade. O volume é dividido em quatro partes, e cada uma delas serve a um propósito diferente. Lida com um tipo diferente de dor. Cura uma mágoa diferente. Outros jeitos de usar a boca transporta o leitor por uma jornada pelos momentos mais amargos da vida e encontra uma maneira de tirar delicadeza deles. Publicado inicialmente de forma independente por Rupi Kaur, poeta, artista plástica e performer canadense nascida na Índia e que também assina as ilustrações presentes neste volume, o livro se tornou o maior fenômeno do gênero nos últimos anos nos Estados Unidos, com mais de 1 milhão de exemplares vendidos.

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Resenha

Sentimentos condensados e transformados em frases de poemas. Essa foi a sensação que tive ao ler Outros jeitos de usar a boca. A escrita foi o modo que Rupi Kaur usou para lidar com seus próprios traumas, e após fazer sucesso no Instagram, ela nos permite dividir suas emoções mais pessoais por meio dessa escrita encantadora, com uma obra dividida em quatro partes: dor, o amor, a ruptura e a cura.

[...] meu coração me acordou chorando
ontem à noite
o que posso fazer eu supliquei
meu coração disse
escreva o livro [...]

A parte que mais impactou foi dor, onde ela compartilha diferentes momentos e emoções. Fala sobre estupro, violência e outros abusos; essas linhas são capazes de despedaçar quaisquer tentativas de ignorar o quão é degradante, humilhante e revoltante ser usada como algum tipo de objeto; os abusos descritos chegam a ser palpáveis, trazendo muitas lágrimas. A cada linha o nó em minha garganta se apertava mais; não é fácil lidar com os sentimentos amargos provocados aqui. De qualquer modo, eu acredito que nunca conseguirei ser indiferente ou lidar com mais racionalidade em relação a abuso sexual, especificamente. Mas isso não foi um problema; saber que isso pode me causar sentimentos de angústia tão densos me fazem sentir mais humana, e isso sempre é uma boa notícia, ao olhar um pouquinho ao redor.

[...] o estupro
vai te rasgar
ao meio
mas
não vai
ser seu fim [...]

Em amor, há ternura, além de ser a parte mais sensual do livro. Vi algumas críticas, porém, pois há aqueles que se incomodam com o clichê presente aqui. Eu entendo que por sermos plurais, nossas vidas têm bons e maus momentos, da dor mais dilacerante ao tesão mais profundo; reduzir a grandiosidade de “Outros jeitos [...]” a um punhado de poesias sacanas ou romance água-com-açúcar é diminuir demais seu significado. Não que eu tenha nada contra literatura erótica ou romântica, mas aqui temos um livro que é muito além de um mero entretenimento. É quase um manifesto. É sobre emoções. É sobre ser mulher. Uma mulher que sofreu e se reergueu.

[...] o que eu sou pra você ele pergunta
eu coloco as mãos em seu peito
e sussurro você
é toda esperança
que eu já tive
na forma humana [...]"

“[...] só de pensar em você
minhas pernas abrem espacate
como um cavalete com uma tela
implorando por arte [...]

Já em ruptura, há predominância da decepção, onde ela compartilha predominante a sensação de perda.

[...] ele só sussurra eu te amo
quando desliza a mão
para abrir o botão
da sua calça

é aí que você tem
que entender a diferença
entre querer e precisar
você pode querer esse menino
mas você com toda certeza
não precisa dele [...]"

"[...] eu não fui embora porque
eu deixei de te amar
eu fui embora porque quanto mais
eu ficava menos
eu me amava [...]

Cura é sobre superação e amadurecimento. Precisamos do outro para sermos felizes? Ou só seremos felizes se antes nos aceitarmos e amarmos? Essa parte nos faz pensar sobre auto-amor e feminismo, e a necessidade de darmos valor a nós antes de mais nada. Não precisamos agradar ao outro antes de agradarmos a nós mesmas. Não estamos aqui para sermos flores em um jardim. Somos humanas e assim devemos ser tratadas. Temos também falhas e acertos, e não devemos tentar esconder isso. Evoluir é necessário para todos, mas a perfeição cobrada às mulheres é injusta e é lidando com isso que podemos nós valorizar. É importante antes nos auto pertencer.

[...] você tem o hábito
de depender
dos outros para
compensar aquilo que
você acha que não tem

quem te faz te fez
cair na história
de que outra pessoa
deveria te completar
se o máximo que alguém pode fazer é
complementar [...]"

"[...] da próxima vez que ele
comentar que os
pelos das suas pernas
cresceram de novo lembre
esse garoto que o seu corpo
não é a casa dele
ele é um hóspede
avise que ele
nunca deve passar por cima
das boas-vindas
de novo [...]"

"[...] nossas costas
contam histórias
que a lombada
de nenhum livro
pode carregar

mulheres de cor [...]

Me tocou profundamente ter contato com essa obra tão delicada e ao mesmo tempo tão contundente que permeia assuntos tão pesados e, infelizmente, tão presentes como abuso sexual, além daqueles que nos destroem lentamente, como comentários depreciativos em um relacionamento. É muito difícil lidar com vários aspectos da nossa sociedade patriarcal, pois as cobranças excessivas de perfeição e a condescendência com a dor feminina machucam intensamente; ter uma obra como essa se tornando tão popular é como um bote salva-vidas, pois mesmo como passos de formiga, percebemos que dia após dia a visibilidade de tais assuntos aumenta, e com isso nossa esperança de uma sociedade um pouco mais digna e equânime quanto ao gênero.

Curiosidades

  • Ela escreve com pontuação restrita e sem utilizar letras maiúsculas, como forma de homenagear a escrita punjabi, pois ela pertence à etnia sikh na Índia – presente no Estado de Punjab;
  • A própria autora é quem desenhou as ilustrações presentes no livro.

Visão Geral

Assunto 10
Estilo 10
Impacto Pessoal 8,5

Em Suma

Emocionante. Necessário. Representativo | 9,5

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